sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Para os pássaros: goiabas ou cajus


Sentada numa cadeira de plástico amarelo com propaganda de cerveja, olho a árvore atrás da churrasqueira de um salão paroquial e me pergunto que fruta será... Goiaba? Caju? Está no tempo da colheita de ambos, além da colheita de soja, ouro verde que existe na região.

Existem pássaros pra todo gosto, pequenos, médios e grandes! Pássaros especialmente pequenos bicam as frutas. Algumas manchas vermelhas ainda me despertam dúvidas, será caju ou goiaba? Goiaba tem polpa vermelha, mas caju também avermelha no auge de sua maturação! A distância é grande, o vento bate, as aves voam e as frutas continuam indefinidas!

Os pequenos são especialmente atrativos! Em São Paulo só conhecia dois tamanhos de passarinhos livres, os pardais e as pombas! O resto só em gaiolas douradas, em pet shops escuros, a maioria com fungos entre as asas, piando desgraçadamente para chamar a atenção de algum comprador.

Olho para meu pobre namorado, cansado, esperando numa fila o atendimento de um funcionário público cansado. Cansado, essa é a palavra que define todos nós, inclusive a Juju, que faz cara feia quando irritada e não disfarça! Isso torna meu namorado um pai mais aflito ainda!

Esse cenário todo se configurou há dois dias, quando a Juju recebeu um telefonema da escola que freqüentou ano passado dizendo que por ser a melhor aluna da turma tinha ganhado um NOTEBOOK! A palavra NOTEBOOK se tornou um doce na sua boca, que correu até o pai, e até a mãe, e até o pai, até que ambos acertassem quem devia rodar os 300 kilometros de estradas ruins até onde ela devia ganhar o presente, direto do governador do estado.

Como no filme Frost X Nixon eu pensei: “Sou petista, não comprimento esse homem”, e então, numa disputa pelas cadeiras, porque a Juju não tinha onde sentar, e senhoras bem vestidas não arredavam o pé de cadeiras escritas ‘para os alunos’, nos vemos em frente ao palco, na lateral, e não é que o homem veio Dalí? Descontraidamente, como se estivesse indo da cozinha de casa até a sala, passava por nós, olhou o uniforme escolar da Juju e parou: “Você é uma das ganhadoras?”, imediatamente, no auge do orgulho ela falou “Sim” e ele apertou forte a mão dela!

Aproveitando o ensejo, Juju começou a falar com o governador sobre a ONG da mãe, e o pai, talvez por pura competição entre os filhos, em fazer valer seu trabalho perante a filha, também falou do seu trabalho para o governador, e quando vi, lá estava, meu horroroso monstro do PMDB com a mão estendida na frente da minha e eu peguei! Peguei e a apertei! E reparei que o aperto era forte!

Não que o homem seja mais confiável por ter um aperto de mão forte, mas que me passa mais confiança alguém que pega minha mão com força, sem dúvida!

De repente eu era o próprio James Reston Jr. traindo minha posição política apertando a mão do nosso Sr. Watergate particular! Mas não consegui! Não consegui deixar de ter orgulho de uma menina que mal tenho contato, mas cujo contato é tão intenso, que não pude deixar de receber o ‘parabéns pela nossa menina’, eu não apertava a mão do governador, ele apertava a minha e nos dizia ‘bom trabalho’.

Usurpada de minha posição política, usurpei por segundos a posição de mãe!

Uma hora e meia de solenidades depois, espero na cadeira amarela com marca de cerveja nas costas (tenha paciência, num salão paroquial, num evento com o governador, de quem foi a idéia?), e com a certeza pela velhice da cadeira que o patrocinador nada teve que pagar, um pai, numa fila com muitos outros, e com o certificado de doação do notebook, tentando pegar o presente da filha, enquanto ela olha pra fila pensando “quanto tempo mais ficarei aqui?”.

Ainda que eu pense e calcule se o preço de passar por toda a epopéia política não pague bem pago o valor do notebook, a felicidade da criança, associada à falta de noção política me faz pensar que ela merece! Como eu merecia nos meus tempos de escola, embora naquela época só ganhasse nos concursos um muro pra pintar ou um diplominha de boa aluna entregue a mamãe...

Embora calcule que esse notebook foi muito bem pago, pela demagogia política e pelo provável superfaturamento em nota fiscal, como diria uma propaganda de cartão de crédito, tem coisas que não tem preço! Passada a cara feia do cansaço, a menina recebendo o presente das mãos de um pai exausto, e toda a felicidade da viagem de volta vale a dúvida... Teriam sido goiabas ou cajus?